O Brasil retrocede na prevenção de acidentes em 2013. Ao registrar no último ano 717.911 acidentes (acréscimo de 0,55% em relação a 2012) e 2.797 mortes (acréscimo de 1,05%), o país segue acumulando prejuízos de toda ordem. Perdas financeiras com a concessão de benefícios acidentários, redução da produtividade e vidas precocemente interrompidas pelas más condições de saúde e segurança no ambiente laboral são os danos mais visíveis de uma realidade na qual os indicadores negativos avançam quando deveriam recuar.
Apesar dos esforços do governo, de empresas, entidades e profissionais da área de Saúde e Segurança do Trabalho em adotar medidas preventivas, elas ainda não são suficientes para proteger a vida e a segurança do trabalhador. “Os números são reveladores e muito preocupantes, principalmente quando se observa a tendência crescente de acidentes típicos, os quais nós temos condições de evitar porque acontecem dentro do ambiente de trabalho, onde os riscos deveriam ser conhecidos e controlados. Os acidentes de trajeto e óbitos também aumentaram, demonstrando que a redução de acidentes e doenças não é uma prioridade para o Brasil. Precisamos avaliar a eficácia da nossa Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho”, analisa Carlos Silva, vice-presidente do Sinait (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho).
AMOSTRA
Embora as estatísticas de acidentes do trabalho divulgadas no AEPS 2013 (Anuário Estatístico da Previdência Social) constituam um dado importante para a análise acidentária no Brasil, os números devem ser relativizados. A radiografia leva em conta apenas os 48.948.433 trabalhadores com vínculos formais (celetistas, temporários, avulsos, entre outros). Excluem-se os empregados informais, trabalhadores domésticos informais, profissionais autônomos, empregadores, militares e estatutários.
Em outras palavras, o que se verifica nas tabelas e gráficos a seguir é um recorte (e não o panorama completo) dos registros de acidentes em âmbito nacional. De qualquer forma, o levantamento da Previdência revela índices preocupantes de agravos e óbitos, que podem ser ainda maiores se forem considerados os casos de subnotificação.
Para todo acidente de trabalho, a lei determina que seja emitida uma CAT (Comunicação de Acidente do Trabalho), em caráter obrigatório, independentemente de haver ou não afastamento. Quando a empresa descumpre essa regra, o acidente não é notificado e fica de fora das estatísticas oficiais.
Mas há outros possíveis nexos de identificação de acidentes, como o NTP/T (Nexo Técnico Profissional ou do Trabalho), NTEP (Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário) e NTDEAT (Nexo Técnico por Doença Equiparada a Acidente do Trabalho). Desde 2007, essa nova sistemática de concessão de benefícios acidentários procura gerar dados mais precisos sobre acidentes e doenças ocupacionais, instrumentalizando e melhorando a gestão da área de benefícios por incapacidade e a formulação de políticas da Previdência.
Para Carlos Silva, do Sinait, “os acidentes e óbitos têm aumentado apesar do quadro alarmante de subnotificações. A situação real é muito pior. O que as estatísticas revelam já é motivo de lamento porque não estamos conseguindo estancar os casos notificados, o que dirá os não notificados”, critica.
PERIGO CRESCENTE
Conforme mostra a Tabela 1, dos 559.081 acidentes com CAT registrada (77,88% do total de 717.911 acidentes em 2013), os acidentes típicos somaram 432.254 (77,32%), os acidentes de trajeto, 111.601 (19,96%), e as doenças ocupacionais, 15.226 (2,72%). Já os acidentes sem CAT registrada somaram 158.830 (22,12%).
A escalada de acidentes típicos e de trajeto chama atenção: em 2013, foram 5.970 acidentes típicos a mais (alta de 1,4% em relação a 2012) e 8.561 acidentes de trajeto a mais (alta de 8,31%). Somando-se apenas os acidentes típicos e de trajeto, são 543.855 ou 75,76% do total de acidentes ocorridos no ano. Ambos os agravos (típicos e de trajeto) foram responsáveis pelo aumento dos acidentes de trabalho em 0,55% no ano de 2013 em comparação com 2012.
Os 432.254 acidentes típicos contabilizados em 2013 atingiram a sua pior marca em 20 anos, só “perdendo” para o ano de 2008 (441.925 registros). Já os 111.601 acidentes de trajeto tiveram o pior resultado em 44 anos, desde 1970.
No entanto, o aumento verificado em números absolutos não se confirma quando outros fatores são analisados no cálculo relativo, segundo o diretor do DPSSO/MPS (Departamento de Políticas de Saúde e Segurança Ocupacional), Marco Antonio Gomes Pérez. “Considerando que em 2013 houve um aumento de empregos de 3,14% e de 3,6% no número de contribuintes da Previdência, significa que em termos relativos houve uma queda estimada em 3% do total de acidentes do trabalho e uma queda estimada em 2,2% nos acidentes típicos”, avalia.
Seguindo esse raciocínio, os acidentes de trajeto foram os únicos a apresentar crescimento, tanto em números absolutos quanto relativos, com um aumento relativo estimado em 4,7% considerando os empregos em 2013.
Já as doenças do trabalho apontaram uma tendência de queda tanto absoluta quanto relativa, embora isto esteja sendo “compensado” pelo aumento dos acidentes sem CAT registrada que desde 2007 figuram nas estatísticas da Previdência. Mesmo com um decréscimo de 5,3% neste item ante o ano anterior, os acidentes sem CAT registrada (leiam-se doenças do trabalho) provenientes do Nexo Técnico Epidemiológico representam hoje 22,12% do total de acidentes registrados no país.
GRAVES DANOS
Como consequência dos acidentes ocorridos (veja Tabela 4), tem-se números igualmente alarmantes de trabalhadores mortos (2.797), incapacitados temporários (610.804), incapacitados permanentes para o exercício profissional (14.837) ou que receberam assistência médica (108.940). São incalculáveis os prejuízos que decorrem desses infortúnios, tanto para as famílias das vítimas como para as empresas e a Previdência Social.
De 2012 para 2013, conforme Tabela 7, aumentaram os óbitos (1,05%) e as incapacidades temporárias (0,87%) que, juntos, somaram 613.601 benefícios pagos ou 83,21% dos acidentes liquidados. Mesmo que os números de incapacidades permanentes e de assistência médica tenham diminuído 12,96% e 0,13%, respectivamente, eles não constituem um dado tão representativo, pois corresponildem a 123.777 benefícios ou 16,79% dos acidentes liquidados.
Quanto aos custos de acidentes despesas do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) com aposentadoria especial, aposentadoria por invalidez, auxílio-doença, auxílio-acidente e auxílio-suplementar, a análise fica mais uma vez prejudicada.
A exemplo do que aconteceu em 2012, o AEPS divulgou somente o total gasto em 2013 com aposentadoria especial (R$ 12.067.967.000) e omitiu os totais gastos com aposentadoria por invalidez, auxílio-doença, auxílio-acidente e auxílio-suplementar. Ou seja, com exceção dos valores de aposentadoria especial, divulgados até 2013, o restante foi divulgado somente até 2011 e permanece uma incógnita nos anos de 2012 e 2013, conforme mostra a Tabela 5.
INSPEÇÕES
Analisando os dados da Fiscalização do Trabalho fornecidos pelo Sistema Federal de Inspeção do Trabalho (veja Tabela 8), verifica-se que as 143.263 ações fiscais empreendidas em 2013 (redução de 7,19% em relação a 2012), apesar de menos numerosas, tiveram resultados mais expressivos. O contingente de 22.100.810 trabalhadores alcançados pelas ações fiscais em 2013 representa quase a metade (45,15%) dos 48.948.433 trabalhadores com carteira assinada deste mesmo ano e é o maior número contabilizado pela Fiscalização desde 2000 (acréscimo de 17,49% em relação a 2012).
Em 2013, foram 112.977 autuações (aumento de 23,6%), 5.680 embargos/interdições (aumento de 11,2%) e 2.489 acidentes analisados (aumento de 30,86%). Apenas as notificações registraram uma baixa: 135.546 (redução de 7,21%).
Carlos Silva, do Sinait, atribui esses números a uma série de sofisticações que têm sido realizadas nas estratégias de fiscalização e a uma melhor utilização do quadro enxuto de 2,7 mil auditores fiscais do Trabalho, quando o ideal seriam 8 mil para atender todas as demandas relacionadas a acidentes e doenças do trabalho. “Adotamos alguns critérios importantes como o índice de acidentalidade e gravidade dos acidentes, focando nas atividades econômicas com os maiores números registrados. Os indicadores da Fiscalização subiram, mas há setores que deixaram de ser inspecionados em detrimento de outros mais sensíveis aos problemas de acidentes do trabalho”, esclarece.
O levantamento mais recente da Fiscalização, parcial de janeiro a agosto de 2014 (veja Tabela 8), deve repetir os números de 2013 ou ficar ligeiramente abaixo, segundo projeções do Anuário Brasileiro de Proteção.
No que diz respeito às operações de fiscalização para erradicação do trabalho escravo em 2013, os indicadores informados pela DETRAE/MTE (Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo) mantiveram a média, com alguns levemente acima e outros levemente abaixo na comparação com os anos anteriores (confira mais detalhes na Tabela 6).
DIFERENÇAS REGIONAIS
A Região Sudeste segue liderando as estatísticas de acidentes e óbitos laborais no país (veja Tabelas 2 e 4). Mais da metade dos acidentes registrados em 2013 (390.911 ou 54,45% do total) e quase a metade das mortes (1.327 ou 47,44% do total) ocorreram no Sudeste. Juntos, os quatro estados da região concentram 50,3% da mão de obra formal, totalizando 24.623.001 trabalhadores.
O peso das ocorrências no Sudeste é indiscutível para a análise nacional de agravos e óbitos relacionados ao trabalho. No entanto, a região foi a que menos contribuiu em 2013 para o aumento do número de trabalhadores acidentados ou mortos, conforme verificado no restante do país. Os índices se mantiveram praticamente inalterados com relação a 2012, com 86 acidentes a menos (redução de 0,02%) e 8 mortes a mais (aumento de 0,61%).
Em segundo lugar no ranking de acidentalidade figura a Região Sul, com 158.113 acidentes (22,02% do total nacional) e 547 mortes (19,56% do total nacional). Houve uma elevação de 5% nos agravos (7.533 a mais que em 2012), que proporcionalmente foi a grande responsável pelo aumento de agravos no país. Os óbitos também tiveram um acréscimo de 0,92% (5 a mais que em 2012).
É curioso notar que o Sul não ocupa o segundo, mas sim o terceiro lugar na contratação de trabalhadores com carteira assinada (8.415.302 ou 17,19% do total nacional), ficando atrás do Nordeste (8.926.710 ou 18,24% do total). Num cálculo simples, a taxa de 1.879 acidentes por 100 mil trabalhadores coloca a região no vergonhoso topo da acidentalidade em 2013.
A Região Nordeste vem em terceiro lugar, com 86.225 acidentes (12,01% do total nacional) e 445 mortes (15,91% do total nacional). De um lado, os acidentes diminuíram 4,82% (4.363 a menos que em 2012) e, de outro, as mortes aumentaram 14,99% (58 a mais que em 2012). Esta elevação no número de trabalhadores mortos no Nordeste foi a que, proporcionalmente, mais contribuiu para a alta de óbitos no país em 2013.
Em quarto lugar, a Região Centro-Oeste aparece com 51.387 agravos (7,16% do total nacional) e 291 óbitos (10,4% do total nacional). Foram 1.837 agravos a mais que em 2012 (alta de 3,71%) e 27 óbitos a menos no mesmo período (redução de 8,49%). A população trabalhadora com carteira assinada na região é de 4.240.172 (8,66% do total) e, considerando a taxa de 1.212 acidentes por 100 mil trabalhadores, o Centro-Oeste ocupa o terceiro lugar na escala da acidentalidade, atrás do Sudeste (1.588 acidentes por 100 mil trabalhadores).
Por fim, a Região Norte contabilizou, em 2013, 31.275 acidentes (4,36% do total nacional) e 187 mortes (6,69% do total nacional). Houve redução de 3,08% nos acidentes (994 a menos que em 2012) e de 7,43% nas mortes (15 a menos que em 2012). A região foi a única a registrar queda tanto no número de agravos como de óbitos, apesar de ter ampliado a mão de obra formal em 4,62% (121.063 empregos a mais que em 2012), totalizando 2.743.248 trabalhadores.
ANÁLISE SETORIAL
Ao examinar os acidentes de trabalho por setor de atividade econômica (veja Tabelas 12 e 13), o setor de Serviços absorve pouco mais da metade dos acidentes (360.207 ou 50,17% do total) e 72,68% dos empregos formais no país (35.577.516). Os registros em carteira assinada tiveram aumento de 3,63% em relação a 2012, em um segmento que poderia crescer ainda mais, não fosse o alto número de acidentes (acréscimo de 3,36%), associado a outros fatores que prejudicam a produtividade.
Embora seja evidente a enorme representatividade do setor de Serviços na análise acidentária brasileira (cujos índices são preocupantes e carecem de maior atenção para que sejam reduzidos ou eliminados), a alta dos acidentes em 2013 foi proporcional à alta de contratações, conforme já verificado em anos anteriores.
No setor da Indústria, nota-se uma mudança lenta, gradual e positiva do ponto de vista da Saúde e Segurança do Trabalho: os empregos formais continuam crescendo, totalizando 11.891.353 em 2013 (alta de 1,95%) e os acidentes continuam baixando, totalizando 308.816 (redução de 0,7%). Ainda assim, é da Indústria a mais alta taxa de acidentalidade entre os três setores de atividade econômica: 2.597 acidentes por 100 mil trabalhadores. O setor emprega 24,29% dos trabalhadores com carteira assinada e é responsável por 43,02% do total de acidentes no país.
O setor Agropecuário, que absorve 1.479.564 empregos formais (3,02% do total nacional) e contabilizou 23.440 acidentes em 2013 (3,27% do total), também tem registrado uma mudança lenta, gradual e positiva. Houve um acréscimo de 1,05% no número de trabalhadores empregados e uma redução de 8,74% nos acidentes. A taxa de acidentalidade na Agropecuária é de 1.584 por 100 mil trabalhadores e vem diminuindo ano a ano.
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